CONTOS
NÃO PERDOAR
Trecho de Conversa
Menina de Rua
Antônio Sampaio Júnior, valoroso tarefeiro do
Centro Espírita “Regeneração”, do Rio de Janeiro, era humilde servidor num
escritório.
Zeloso, correto, madrugador.
Zeloso, correto, madrugador.
Certa feita, mal havia espanado os móveis pela
manhã, para sentar-se à máquina de escrever, foi procurado por amigo situado no
comércio do Rio.
– Sampaio – disse o visitante, sem rebuços -, sei
que você é espírita e esfalfa-se, há muito tempo, enfrentando dificuldades.
Quanto você ganha mensalmente?
– Quatrocentos reais.
O homem fez um gesto irônico e observou:
– Não vale a pena.
E prosseguiu:
– Não ignoro que você tem deveres de caridade na
instituição que frequenta, socorrendo órfãos e amparando viúvas… Como é que
você arranja numerário para esse fim?
– Gasto o que posso, e, quando a despesa ultrapassa
os recursos, tenho amigos… Faço listas, apelos…
– Não vale a pena. Estou informado de que você
visita os infortunados nos morros, às vezes com sacrifício da própria saúde…
Aproveita decerto o carro de alguém…
– Não disponho dessa facilidade. Temos bonde à
porta e, depois do bonde, faz sempre bem uma caminhada a pé…
– Não vale a pena. Disseram-me – continuou o homem
– que você, às vezes, passa noites à cabeceira de enfermos… Naturalmente, o
diretor faz concessões… Boa cama no dia seguinte, ponto facultativo…
– Não é bem assim – falou Sampaio, humilde -, nem
sempre posso visitar os doentes, mas se faço, meu dia de serviço core normal…
O amigo meteu a mão no bolso interno, trouxe à luz
um documento e abriu-se, por fim:
– Pois é, Sampaio, admirando você como sempre,
resolvi auxiliá-lo de vez. É tempo de você melhorar. Preciso de um sócio para
um negócio da China… Três milhões de Reais. Você assina comigo a papelada e
acompanharei todo o assunto… Gastaremos talvez cinquenta mil reais na
tramitação do processo… É um navio velho que vamos desencravar… Tudo pronto,
você e eu ficaremos provavelmente com mais de um milhão cada um. Basta só que
você assine…
Sampaio, sem desejar ofender, perguntou:
– Creio na lisura da iniciativa, mas há algum
inconveniente a considerar?
-Bem, o assunto envolve alguns interesses de
repartições públicas, mas temos noventa e nove probabilidades a nosso favor…
– E se falharem as noventa e nove?…
– Ah! Se vier o contra – informou o amigo,
evidentemente desapontado, – teremos entrevista no Distrito Policial.
Sampaio, sem perder a serenidade, falou simples:
– Não vale a pena.
E recomeçou a espanar.
Chico Xavier (Médium)
Hilário Silva (Espírito)
BELARMINO
BICAS
Depois da festa beneficente, em que servíramos
juntos, Belarmino Bicas, prezado companheiro a que nos afeiçoamos, no Plano
Espiritual, chamou-me à parte e falou, decidido:
– Bem, já que estivemos hoje em tarefa de
solidariedade, estimaria solicitar um favor…
Ante a surpresa que nos assaltou, Belarmino
prosseguiu:
– Soube que você ainda dispõe de alguma facilidade
para escrever aos companheiros encarnados na Terra e gostaria de confiar-lhe um
assunto…
– Que assunto?
– Acontece que desencarnei com cinquenta e oito
anos de idade, após vinte de convicção espírita. Abracei os princípios
codificados por Allan Kardec, aos trinta e oito, e como sempre fora irascível
por temperamento, organizei, desde os meus primeiros contatos com a Doutrina
Consoladora, uma relação diária de todas as minhas exasperações, apontando-lhes
as causas para estudos posteriores…
Os meus desconchavos, porém, foram tantos que,
apesar dos nobres conhecimentos assimilados, suprimi, inconscientemente, vinte
e dois anos da quota de oitenta que me cabia desfrutar no corpo físico,
regressando à Pátria Espiritual na condição de suicida indireto… Somente aqui,
pude examinar os meus problemas e acomodar-me às desilusões… Quantos tesouros
perdidos por bagatelas! Quanta asneira em nome do sentimento!…
E, exibindo curioso papel, Belarmino acrescentava:
– Conte o meu caso para quem esteja ainda
carregando a bagagem do azedume! Fale do perigo das zangas sistemáticas,
insista na necessidade da tolerância, da paciência, da serenidade, do perdão!
Rogue aos nossos companheiros para que não percam a riqueza das horas com
suscetibilidades e amuos, explique ao pessoal na Terra que mau-humor também
mata!…
Foi então que passei à leitura da interessante
estatística de irritações, que não me furto à satisfação de transcrever:
Belarmino Bicas – número de cóleras e mágoas desnecessárias com a especificação
das causas respectivas, de 1936 a 1956:
1811 em razão de contrariedades em família;
906 por indispor-se, dentro de casa, em questões de
alimentação e higiene;
1614 por altercações com a esposa, em divergências
na conduta doméstica e social;
1801 por motivo de desgostos com os filhos, genros
e noras;
11 por descontentamentos com os netos;
1015 por entrar em choque com chefes de serviço;
1333 por incompatibilidade no trato com os colegas;
1012 em virtude de reclamações a fornecedores e
lojistas em casos de pouca monta;
614 por mal-entendidos com vizinhos;
315 por ressentimentos com amigos íntimos;
1089 por melindres ante o descaso de funcionários e
empregados de instituições diversas;
615 por aborrecimentos com barbeiros e alfaiates;
777 por desacordos com motoristas e passageiros
desconhecidos, em viagem de ônibus, automóveis particulares, bondes e lotações;
419 por desavenças com leiteiros e padeiros;
820 por malquistar-se com garçons em restaurantes e
cafés;
211 por ofender-se com dificuldades em serviços de
telefones;
90 por motivo de controvérsias em casas de
diversões;
815 por abespinhar-se com opiniões alheias em
matéria religiosa;
217 por incompreensões com irmãos de fé, no templo
espírita;
901 por engano ou inquietação, diante de pesares
imaginários ou da perspectiva de acontecimentos desagradáveis que nunca
sucederam.
Total: 16.386 exasperações inúteis.
Esse o apanhado das irritações do prestimoso amigo
Bicas: 16.386 dissabores dispensáveis em 7.300 dias de existência, e, isso, nos
quatro lustros mais belos de sua passagem no mundo, porque iluminados pelos
clarões do Evangelho Redivivo. Cumpro-lhe o desejo de tornar conhecida a sua
experiência que, a nosso ver, é tão importante quanto as observações que
previnem desequilíbrios e enfermidades, embora estejamos certos de que muita
gente julgará o balanço de Belarmino por mera invencionice de Espírito
loroteiro.
Médium: Chico Xavier Espírito: Irmão X
A
PETIÇÃO DE JESUS
… E Jesus, retido por deveres constrangedores,
junto da multidão, em Cafarnaum, falou a Simão, num gesto de bênção:
– Vai, Pedro! Peço-te!… Vai à casa de Jeremias, o
curtidor, para ajudar. Sara, a filha dele, prostrada no leito, tem a cabeça
conturbada e o corpo abatido… Vai sem delonga, ora ao lado dela, e o Pai, a
quem rogamos apoio, socorrerá a doente por tuas mãos.
Na manhã ensolarada, pôs-se o discípulo em marcha,
entusiasmado e sorridente com a perspectiva de servir. À tarde, quando o Sol
cedia as últimas posições à sombra noturna, vinha de retorno enunciando
inquietação e pesar no rosto áspero.
– Ah! Senhor! Disse ao Mestre que lhe escutava os
apontamentos – todo esforço baldado, tudo em vão!…
– Como assim?
E o apóstolo explicou amargamente, qual se fora um
odre de fel a derramar-se:
– A casa de Jeremias é um antro de perdição… Antes
fosse um pasto selvagem. O abastado curtidor é um homem que ajuntou dinheiro, a
fim de corromper-se. De entrada, dei com ele bebericando vinho num paiol, a
cuja porta bati, na esperança de obter informações para demandar o recinto
doméstico. Não parecia um patriarca e sim um gozador desavergonhado.
Sentava-se na palha de trigo e, de momento a
momento, colava os lábios ao gargalo de pesada botelha, desferindo gargalhadas,
ao pé de serva bonita e jovem, que se refestelava no chão, positivamente
embriagada… Ao receber-me, começou perguntando quantos piolhos trago à cabeça e
acabou mandando-me ao primogênito…
Saí à procura de Zoar, o filho mais idoso, e
achei-o, enfurecido, no jogo de dados em que perdia largas somas para conhecido
traficante de Jope. Acolheu-me aos berros, explicando que a sorte da irmã não
lhe despertava o menor interesse…
Por fim, expulsou-me aos coices, dando a ideia de
uma besta-fera solta no campo… Afastava-me, apressado, quando esbarrei com a
dona da casa. Dei-lhe a razão de minha presença; contudo, antes de atender-me,
passou a espancar esquelética criança menina, alegando que a criança lhe havia
surrupiado um figo, enquanto a pequena chorosa tentava esclarecer que a fruta
havia sido devorada por galos de estimação… Somente após ensanguentar a vítima,
resolveu a megera designar o aposento em que poderia avistar-me com a filha
enferma…
Ante o olhar melancólico do ouvinte, o discípulo
prosseguiu:
A dificuldade, porém, não ficou nisso… Visivelmente
transtornada por bagatela, a velha sovina errou na indicação, pois entrei numa
alcova estreita, onde fui defrontado por Josué, o filho mais moço do curtidor,
que mergulhava a mão num cofre de joias.
Desagradavelmente surpreendido, fez-se amarelo de
raiva, acreditando decerto que u não passava de alguém a serviço da família, a
fim de espionar-lhe os movimentos. Quando ergueu o braço para esmurrar-me,
supliquei considerasse a minha situação de visitante em missão de paz e socorro
fraterno… Embora contrafeito, conduziu-me ao quarto da irmã… Ah! Mestre, que
tremenda desilusão!… Não duvido de que se trata de uma doente, mas, logo me
viu, a estranha criatura se tornou inconveniente, articulando gestos
indecorosos e pronunciando frases indignas… Não aguentei mais… Fugi,
horrorizado, e regressei pelo mesmo caminho…
Observando que o Amigo Sublime se resguardava,
triste e silencioso, volveu Simão, após comprido intervalo:
– Senhor, não fui, acaso, bastante claro?
Porventura, não terei procurado cumprir-te honestamente os desejos? Seria
justo, Mestre, pronunciar o nome de Deus, ali, entre vício e deboche, avareza e
obscenidade?
Jesus, porém, depois de fitar longamente o céu, a
inflamar-se de lumes distantes, fixou no companheiro o olhar profundamente
lúcido e falou com serenidade:
– Pedro, conheço Jeremias, a esposa e os filhos, há
muito tempo!… Quando te incumbi de ir ao encontro deles, apenas te pedi para
auxiliar!…
Médium: Chico Xavier,
Espírito: Irmão X
O
TALISMÃ DIVINO
Entabularam os familiares interessante palestra,
acerca das faculdades sublimes de que o Mestre dava testemunho amplo, curando
loucos e cegos, quando Isabel, a zelosa genitora de João e Tiago, indagou, sem
preâmbulos:
– Senhor, terás contigo algum talismã de cuja
virtude possamos desfrutar? Algum objeto mágico que nos possa favorecer?
Jesus pousou na maioria os olhos penetrantes e
falou, risonho:
– Realmente, conheço um talismã de maravilhoso
poder. Usando-lhe os milagrosos recursos, é possível iniciar a aquisição de
todos os dons de Nosso Pai. Oferece a descoberta dos tesouros do amor que
resplandecem ao redor de nós, sem que lhe vejamos, de pronto, a grandeza.
Descortina o entendimento, onde a desarmonia
castiga os corações. Abre a porta às revelações da arte e da arte e da ciência.
Estende possibilidades de luminosa comunhão com as fontes divinas da vida.
Convida à benção da meditação nas coisas sagradas. Reata relações de
companheiros em discordância. Descerra passagens de luz aos espíritos que se
demoram nas sombras.
Permite abençoadas sementeiras de alegria.
Reveste-se de mil oportunidades de paz com todos. Indica vasta rede de trilhos
para o trabalho salutar. Revela mil modos de enriquecer a vida que vivemos.
Facilita o acesso da alma ao pensamento dos grandes mestres. Dá comunicações
com os mananciais celestes da intuição.
– Que mais? – disse o Senhor, imprimindo ênfase à
pergunta. E após sorrir, complacente, continuou:
– Sem esse divino talismã, é impossível começar
qualquer obra de luz e paz na terra.
Os olhos dos ouvintes permutavam expressões de
assombro, quando a esposa de Zebedeu inquiriu, espantada:
– Mestre, onde poderemos adquirir semelhante
bênção? Dize-nos. Precisamos desse acumulador de felicidade.
O Cristo, então, acrescentou, bem-humorado:
– Esse bendito talismã, Isabel, é propriedade comum
a todos. É “a hora que estamos atravessando…” Cada minuto de nossa alma
permanece revestido de prodigioso poder oculto, quando sabemos usá-lo no
Infinito Bem, porque toda grandeza e toda decadência, toda vitória e toda ruína
são iniciadas com a colaboração do dia.
E diante da perplexidade de todos, rematou:
– O tempo é o divino talismã que devemos
aproveitar.
Médium: Chico Xavier, Espírito:
Neio Lúcio
AS
ROSAS DO INFINITO
Em deslumbrante paisagem da Esfera superior,
diversos mensageiros se congregavam em curioso certame. Procediam de lugares
diversos e traziam flores para importante aferição de mérito.
Na praça enorme, pavimentada de substância semelhante
ao jade, colunas multicores exibiam guirlandas de soberana beleza.
Rosas de todos os feitios e cravos soberbos,
gerânios e glicínias, lírios e açucenas, miosótis e crisântemos exaltavam a
Sabedoria do Criador em festa espetacular de cores e perfumes.
Envergando túnicas resplendentes, servidores
espirituais iam a vinham, à espera dos juízes angélicos.
A exposição singular destinava-se à verificação da
existência de luz divina, nos múltiplos exemplares que aí se alinhavam,
salientando-se que os espécimes com maior teor de claridade celeste seriam
conduzidos ao Trono do Eterno, como preito de amor e reconhecimento dos
trabalhadores do bem.
Os julgadores não se fizeram esperados.
Quando a expectação geral se mostrava adiantada,
três emissários da Majestade Sublime atravessaram as portas de dourada
filigrana e, depois das saudações afetuosas, iniciaram o trabalho que lhes
competia. Aquele que detinha mais elevada posição hierárquica trazia nas mãos
uma toalha de linho translúcido, o único apetrecho que certamente utilizaria na
tarefa de análise das preciosidades expostas.
Cada ramo era seguido de pequena comissão
representativa do serviço espiritual em que fora elucidando.
Aproximou-se o primeiro grupo, trazendo uma braçada
de rosas, tecidas com as emoções do carinho materno que, lançadas à toalha
surpreendente, expediram suaves irradiações em azul indefinível, e os anjos
abençoaram o devotamento das mães, que preservam os tesouros de Deus, na
posição de heroínas desconhecidas.
Logo após, brilhante conjunto de Espíritos
jubilosos deitou ao pano singular uma coroa de lírios, formados pelas vibrações
de fervor das almas piedosas que se devotam nos templos ao culto da fé.
Safirinas emanações cruzaram o espaço e os celestes embaixadores louvaram os
santos misteres de todos os religiosos do mundo.
Em seguida, alegre comissão juvenil trouxe a exame
delicado ramalhete de açucenas, estruturadas nos sonhos e nas esperanças dos
noivos que sabem guardar a Bênção Divina, e raios verdes de brilho intraduzível
se projetaram em todas as direções, enquanto os emissários do
Todo-Misericordioso entoaram encômios aos afetos santificantes das almas.
Lindas crianças foram portadoras de formosa auréola
de jasmins, nascidos da ternura infantil, e que, depostos sobre a toalha miraculosa,
emitiram alvíssima luz, semelhante a fios de aurora, incidindo sobre a neve.
Depois, pequeno agrupamento de criaturas iluminadas
colocou, sob os olhos dos anjos, bela grinalda de cravos rubros, colhidos na
renunciação dos sábios e dos heróis, a serviço da Humanidade, que
exteriorizaram vermelhas emanações, quais se fossem constituídas de eterizados
rubis.
E, assim, cada comissão submeteu ao trabalho
seletivo as joias que trazia.
O devotamento dos pais, os laços esponsalícios, a
dedicação dos filhos, o carinho dos verdadeiros amigos, a devoção de vários
matizes ali se achavam magnificamente representados pelas flores cuja essência
lhes correspondia.
Em derradeiro lugar, compareceu a mais humilde
comissão da festa.
Quatro almas, revelando características de extrema
simplicidade, surgiram com um ramo feio e triste. Eram rosas mirradas, de cor
arroxeada, mostrando pontos esbranquiçados a guisa de manchas, a desabrocharem
ao longo de hastes espinhosas e repelentes. Depostas, no entanto, sobre a
mágica toalha, inflamaram-se de luz solar, a irradiar-se do recinto à imensidão
dos Céus.
Os três anjos puseram-se de joelhos. Inesperada
comoção encheu de lágrimas os olhos espantados da enorme assembleia. E porque
alguns dos presentes chorassem, com interrogações imanifestas, o grande juiz do
certame esclareceu, emocionado:
– Estas flores são as rosas de amor que raros
trabalhadores do bem cultivam nas sombras do inferno. São glórias do sentimento
puro, da fraternidade real, da suprema consagração à virtude, porque somente as
almas libertas de todo o egoísmo conseguem servir a Deus, na escória das
trevas.
Os acúleos que se destacam nas hastes agressivas
simbolizam as dificuldades superadas, as pétalas roxas simbolizam o
arrependimento e a consolação dos que já se transferiram da desolação para a
esperança, e os pontos alvos expressam o pranto mudo e aflitivo dos heróis
anônimos que sabem servir sem reclamar…
E, entre cânticos de transbordante alegria, as
rosas estranhas subiram rutilantes do Paraíso.
Ó vós, que lutais no caminho empedrado de cada dia,
enxugai as lágrimas e esperai! As flores mais sublimes para o Céu nascem na
Terra, onde os companheiros de boa vontade sabem viver para a vitória do bem,
com o suor do trabalho incessante e com as lágrimas silenciosas do próprio
sacrifício.
Chico Xavier (médium) Irmão
X (espírito) Livro: Contos e Apólogos
PORQUÊ?
Enquanto o ônibus deslizava de Nova Iorque para
Miami, Adolph Hunt, proprietário de extensos pomares na Flórida, dizia para o
companheiro de poltrona.
– Imagine você, Fred, que andam veiculando por aí
supostos recados do Espírito de meu pai, falando em virtude e regeneração…
Aperfeiçoamento é negócio de tempo. Hoje em dia, qualquer menino sabe o que vem
a ser evolução… Ora, se ninguém pode trair a obra gradativa do progresso, para
que essa máquina aparatosa de Espíritos e médiuns, fenômenos e mensagens que o
Espiritismo pretende acionar, no mundo, em nome de Deus e de imaginários
Mensageiros Divinos? Pode você dizer-me o que Deus tem lá com isso? Ou, ainda,
que têm conosco os chamados Amigos Espirituais?
O interlocutor, encorajado pela atenção de outros
ouvintes, gargalhava irônico e chancelava:
– Eu também creio assim… Estamos com Deus ou com a
evolução…
Mediunidade é balela. Nem Deus e nem Espíritos
interferirão com as leis da vida…
A conversa alongou-se, nesse tom, quando Adolph,
chegado ao ponto de destino, veio a saber por um amigo que a sua maior estância
havia sido varrida por violento furacão…
De pronto, valeu-se do automóvel e tocou para o
sítio indicado e oh desolação! Centenas de árvores frutíferas, notadamente as
laranjeiras de classe, jaziam mutiladas ou retorcidas, exigindo cuidados
imediatos.
Terrivelmente surpreendido, ele, que acima de tudo
amava o enorme pomar, convocou os filhos ausentes e os empregados de sua
organização a trabalho reparador e, durante quatro dias compridos, nos quais
ele próprio não descansou, a enorme chácara recebeu socorro e restauração.
Na quinta noite, após o desastre, quando pôde enfim
entregar-se ao repouso, sonhou com o pai, a dizer-lhe com benevolente sorriso:
– Meu filho, se você, meus netos e os nossos
cooperadores de serviço, imperfeitos como ainda são, se empenharam, com tanto
carinho, pela salvação de um laranjal, porque negar a Deus, nosso Pai de
Infinito Amor e aos Bons Espíritos, nossos Irmãos Maiores, o direito de se
interessarem pela melhoria da Humanidade?
Adolph Hunt, retomou o corpo físico e prosseguiu
escutando a voz paterna a se lhe entranhar na acústica da alma:
– Porquê? Porquê, meu filho?
Waldo Vieira (médium) Hilário
Silva (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
VERDUGO
E VÍTIMA
O rio transbordava. Aqui e ali, na crista espumosa
da corrente pesada, boiavam animais mortos ou deslizavam toras e ramarias.V azantes
em torno davam expansão ao crescente lençol de massa barrenta.
Famílias inteiras abandonavam casebres, sob a
chuva, carregando aves espantadiças, quando não estivessem puxando algum cavalo
magro.
Quirino, o jovem barqueiro, que vinte e seis anos
de sol no sertão haviam enrijado de todo, ruminava plano sinistro.
Não longe, em casinhola fortificada, vivia Licurgo,
conhecido usuário das redondezas.
Todos o sabiam proprietário de pequena fortuna a
que montava guarda vigilante.
Ninguém, no entanto, poderia avaliar-lhe a
extensão, porque, sozinho envelhecera e sozinho atendia às próprias
necessidades.
– “O velho – dizia Quirino de si para consigo –
será atingido na certa. É a primeira vez que surge uma cheia como esta.
Agarrado aos próprios haveres, será levado de roldão… E se as águas devem
acabar com tudo, porque não me beneficiar? O homem já passou dos setenta… Morrerá
a qualquer hora. Se não for hoje, será amanhã, depois de amanhã… E o dinheiro
guardado? Não poderia servir para mim, que estou moço e com pleno direito ao
futuro?…”
O aguaceiro caía sempre, na tarde fria.
O rapaz, hesitante, bateu à porta da choupana
molhada.
– “Seu” Licurgo! “Seu” Licurgo!…
E, ante o rosto assombrado do velhinho que assomara
à janela, informou:
– Se o senhor não quer morrer, não demore. Mais um
pouco de tempo e as águas chegarão.
Todos os vizinhos já se foram…
Não, não… – resmungou o proprietário -, moro aqui
há muitos anos. Tenho confiança em Deus e no rio… Não sairei.
– Venho fazer-lhe um favor…
– Agradeço, mas não sairei.
Tomado de criminoso impulso, o barqueiro empurrou a
porta mal fechada e avançou sobre o velho, que procurou em vão reagir.
– Não me mate assassino!
A voz rouquenha, contudo, silenciou nos dedos
robustos do jovem.
Quirino largou para um lado o corpo amolecido, como
traste inútil, arrebatou pequeno molho de chaves do grande cinto e, em seguida,
varejou todos os escaninhos…
Gavetas abertas mostravam cédulas mofadas, moedas
antigas e diamantes, sobretudo diamantes.
Enceguecido de ambição, o moço recolhe quanto acha.
A noite chuvosa descerra completa…
Quirino toma os despojos da vítima num cobertor e,
em minutos breves, o cadáver mergulha no rio.
Logo após, volta à casa despovoada, recompõe o
ambiente e afasta-se, enfim, carregando a fortuna.
Passado algum tempo, o homicida não vê que uma
sombra se lhe esgueira à retaguarda.
É o Espírito de Licurgo, que acompanha o tesouro.
Pressionado pelo remorso, o barqueiro abandona a
região e instala-se em grande cidade, com pequena casa comercial, e casa-se,
procurando esquecer o próprio arrependimento, mas recebe o velho Licurgo,
reencarnado, por seu primeiro filho…
Contos Desta e Doutra
Vida (psicografia Chico Xavier – espírito Humberto de Campos)
PACIÊNCIA
O caminhoneiro solitário
seguia, com fome, à margem do rio. Nervoso e impaciente, ia censurando a tudo e
a todos, por achar-se em penúria. Caminhava devagar, quando viu algo na estrada
chamando-lhe a atenção.
Uma cédula!
Abaixou-se e colheu o achado.
Uma nota de cem cruzados, enrolada e manchada.
Contudo, para surpresa
sua, era somente a metade da cédula, que apesar de nova, fora
inexplicavelmente cortada.
Ainda mais irritado,
amarfanhou o papel valioso e atirou-o à correnteza do rio, blasfemando.
Deu mais alguns passos à
frente, seguindo pela mesma estrada, quando surpreendeu outro fragmento de
papel no solo.
Inclinou-se de novo e
apanhou-o.
Era a outra metade da
cédula que, enervado e contrafeito, havia projetado nas águas.
O vento separara as duas
partes; ele, porém, não tivera a paciência de esperar alguns segundos, apenas.
Há sempre socorro às
nossas necessidades.
No entanto, até para
receber o auxílio da Divina Bondade ninguém prescinde de calma e da paciência.
Waldo Vieira (médium) Valérium
(espírito)
A
SALVAÇÃO INESPERADA
Num país europeu, certa
tarde, muito chuvosa, um maquinista, cheio de fé em Deus, começando a acionar a
locomotiva com o trem repleto de passageiros para longa viagem, fixou o céu
escuro e repetiu, com sentimento a oração dominical.
O comboio percorreu
léguas e léguas, dentro das trevas densas, quando, alta noite, ele viu, a luz
do farol aceso, alguns sinais que lhe pareceram feitos pela sombra de dois
braços angustiados a lhe pedirem socorro.
Emocionado, fez o trem
parar, de repente, e, seguido de muitos viajantes, correu pelos trilhos de
ferro, procurando verificar se estavam
ameaçados de algum perigo.
ameaçados de algum perigo.
Depois de alguns passos,
foram surpreendidos por gigantesca inundação que, invadindo a terra com
violência, destruíra a ponte que o comboio deveria atravessar.
O trem fora salvo,
milagrosamente.
Tomados de infinita
alegria, o maquinista e os viajores procuraram a pessoa que lhes fornecera o
aviso salvador, mas ninguém aparecia. Intrigados, continuaram na busca, quando
encontraram no chão um grande morcego agonizante. O enorme voador batera as
asas, á frente do farol, em forma de dois braços agitados, e caíra sob as
engrenagens.
O maquinista retirou-o
com cuidado e carinho, mostrou-o aos passageiros assombrados e contou como orara,
ardentemente, invocando a proteção de Deus, antes de partir. E, ali mesmo,
ajoelhou-se, ante o morcego que acabava antes de morrer, exclamando em alta
voz:
Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o teu
nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no
Céu: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como
perdoamos os nossos devedores, não nos deixes cair em tentação e livra-nos do
mal, porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Assim seja.
Quando acabou de orar, grande quietude reinava na
paisagem. Todos os passageiros, crentes e descrentes, estavam ajoelhados,
repetindo a prece com amoroso respeito. Alguns choravam de emoção e
reconhecimento, agradecendo ao Pai Celestial, que lhes salvara a vida, por
intermédio de um animal que infunde tanto pavor às criaturas humanas. E até a
chuva parara de cair, como se o céu silencioso estivesse igualmente acompanhado
acompanhando a sublime oração.
Meimei
O
VASO
Um velho oleiro, muito
dedicado ao trabalho, certa feita, adoeceu gravemente e entrou a passar enormes
necessidades.
Os parentes, aos quais
ele mais servira, moravam em regiões distantes e pareciam haver perdido a
memória…
Sem ninguém que o auxiliasse,
passou a viver da caridade pública, mas, quando esmolava, caiu na via pública e
quebrou uma das pernas, sendo obrigado a recolher-se à cama, por longo tempo.
Chorando, amargurado,
fez uma prece e rogou a Deus alguma consolação para os seus males.
Então, dormiu e sonhou
que um anjo lhe apareceu, trazendo a resposta pedida.
O mensageiro do Céu
conduziu-o até o antigo forno em que trabalhava, e, mostrando-lhe alguns
formosos vasos de sua produção, perguntou:
– Como é que você
conseguiu realizar trabalhos assim tão perfeitos?
O oleiro, orgulhoso de
sua obra, informou:
– Usando o fogo
com muito cuidado e com muito carinho, no serviço da perfeição. Alguns vasos
voltaram ao calor intenso duas ou três vezes.
– E sem fogo você
realizaria a sua tarefa? – indagou, ainda, o emissário.
– Nunca! – respondeu o
velho, certo do que afirmava.
– Assim também –
esclareceu o anjo bondoso -, o sofrimento e a luta são as chamas invisíveis que
Nosso Pai Celestial criou para o embelezamento de nossas almas que, um dia, serão
vasos sublimes e perfeitos para o serviço do Céu.
Nesse instante, o doente
acordou, compreendeu a Vontade Divina e rendeu graças a Deus.
Chico Xavier (médium) Meimei
(espírito) Livro: Idéias e Ilustrações
A Multa
Maior
O recinto do Tribunal
estava lotado, não tanto pela importância dos crimes que seriam julgados, mas
pela presença do prefeito de Nova York, La Guardia, que costumava, nessas
ocasiões, sentenciar casos policiais simples, com decisões que ficavam famosas
pelo seu conteúdo de sabedoria e originalidade.
Um dos acusados fora
pilhado em flagrante, roubando pão em movimentada padaria. O homem inspirava
compaixão: muito magro, barba por fazer, roupas em desalinho – era a própria
imagem da miséria!…
La Guardia submeteu-o,
solene, ao interrogatório, consultou as testemunhas e, após rápida apreciação,
considerou-o culpado, aplicando-lhe a multa de cinquenta dólares. A alternativa
seria a prisão…
Em seguida, dirigindo-se
à pequena multidão que acompanhava, atenta o julgamento, disse, peremptório:
– Quanto aos presentes,
estão todos condenados a pagar meio dólar cada um, importância que servirá para
liquidar o débito do réu, restituindo-lhe a liberdade.
E ante a estupefação
geral, acentuou:
– Estão multados por
viverem numa cidade onde um homem é obrigado a roubar pão para matar a fome!…
Todos nós, habitantes de
qualquer cidade do Mundo, estamos sujeitos a uma multa muito mais severa, a uma sanção muito mais grave – a
frustração dos anseios de Felicidade, os desajustes intermináveis, as crises de
angústia – por vivermos num planeta onde as palavras fraternidade, bondade,
solidariedade, são enunciadas como virtudes raras, quando são apenas
elementares deveres, indispensáveis à preservação do equilíbrio em qualquer
comunidade.
Dizem os Espíritos
Superiores que a Felicidade do Céu é socorrer a infelicidade da Terra. Diríamos
que somente na medida em que estivermos dispostos a socorrer a infelicidade da
Terra é que estaremos a caminho da Felicidade do Céu.
Não há alternativa.
Podemos nos isolar da multidão aflita e sofredora, mas jamais estaremos bem,
porquanto a infelicidade é o clima crônico dos que se fecham em si mesmos.
Mãos servindo são
antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da Vida e a captação das
Bênçãos de Deus!
Richard Simonetti do Livro: Atravessando a Rua
A Multa
Maior
O recinto do Tribunal
estava lotado, não tanto pela importância dos crimes que seriam julgados, mas
pela presença do prefeito de Nova York, La Guardia, que costumava, nessas
ocasiões, sentenciar casos policiais simples, com decisões que ficavam famosas
pelo seu conteúdo de sabedoria e originalidade.
Um dos acusados fora
pilhado em flagrante, roubando pão em movimentada padaria. O homem inspirava
compaixão: muito magro, barba por fazer, roupas em desalinho – era a própria
imagem da miséria!…
La Guardia submeteu-o,
solene, ao interrogatório, consultou as testemunhas e, após rápida apreciação,
considerou-o culpado, aplicando-lhe a multa de cinquenta dólares. A alternativa
seria a prisão…
Em seguida, dirigindo-se
à pequena multidão que acompanhava, atenta o julgamento, disse, peremptório:
– Quanto aos presentes,
estão todos condenados a pagar meio dólar cada um, importância que servirá para
liquidar o débito do réu, restituindo-lhe a liberdade.
E ante a estupefação
geral, acentuou:
– Estão multados por
viverem numa cidade onde um homem é obrigado a roubar pão para matar a fome!…
Todos nós, habitantes de
qualquer cidade do Mundo, estamos sujeitos a uma multa muito mais severa, a uma sanção muito mais grave – a
frustração dos anseios de Felicidade, os desajustes intermináveis, as crises de
angústia – por vivermos num planeta onde as palavras fraternidade, bondade,
solidariedade, são enunciadas como virtudes raras, quando são apenas
elementares deveres, indispensáveis à preservação do equilíbrio em qualquer
comunidade.
Dizem os Espíritos
Superiores que a Felicidade do Céu é socorrer a infelicidade da Terra. Diríamos
que somente na medida em que estivermos dispostos a socorrer a infelicidade da
Terra é que estaremos a caminho da Felicidade do Céu.
Não há alternativa.
Podemos nos isolar da multidão aflita e sofredora, mas jamais estaremos bem,
porquanto a infelicidade é o clima crônico dos que se fecham em si mesmos.
Mãos servindo são
antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da Vida e a captação das
Bênçãos de Deus!
Richard Simonetti do Livro: Atravessando a Rua
O
MÉDICO E O FISCAL
– Se possível, acelere
um pouco a marcha.
Era o abnegado médico
espírita, Dr. Militão Pacheco, que rogava ao amigo que o conduzia por
gentileza.
E acrescentava:
– O caso é crupe.
O companheiro ao volante
aumentou a velocidade, mas, daí a momentos, um fiscal apitou.
O carro atendeu com
dificuldade e, talvez por isso, a motocicleta do guarda sofreu pequeno choque
sem consequências.
O policial, porém, não
estava num dia feliz e o Dr. Pacheco com o amigo receberam uma saraivada de
palavrões.
Notando que não reagiam,
o funcionário fez-se mais duro e declarou que não se conformava simplesmente
com a multa.
Os infratores estavam
detidos.
O Dr. Pacheco deu-lhe
razão e informou que realmente seguiam com pressa para socorrer um menino sem
recursos, rogando, humilde, para que a entrevista com a autoridade superior
fosse adiada.
– Se o senhor é médico –
disse o interlocutor, com ironia -, deve proceder disciplinadamente, sem sair
do regulamento. Para ser franco, se eu pudesse, meteria os dois, agora, no
xadrez.
Embora o amigo estivesse
rubro de indignação, o Dr. Pacheco, benevolente, fez uma proposta.
O guarda deixaria, por
alguns instantes, o veículo, e seguiria com eles no carro, mantendo vigilância.
Depois do socorro ao
doentinho, segui-lo-iam para onde quisesse.
Havia tanta humildade na
súplica, que o fiscal concordou, conquanto repetisse asperamente os insultos.
– Aceito – exclamou -, e
verificarei por mim mesmo. Ando saturado de vigaristas. E creiam que, se estão
agindo com mentira, hoje dormirão no Distrito.
A motocicleta foi
confiada a um colega de serviço e o homem entrou, seguindo em silêncio.
Rua aqui,
esquina acolá, dentro em pouco o carro atingiu modesta residência na Lapa, em
S. Paulo.
Os três
entram por grande portão e caminham até encontrar esburacado casebre nos
fundos.
Mas, ao ver
o menino torturado de aflição nos braços de infeliz mulher, o bravo fiscal, com
grande assombro dos circunstantes, ficou pálido e com os olhos rasos de água.
O petiz
agonizante e a jovem senhora sem recursos eram o seu próprio filhinho e a sua
própria esposa que ele havia abandonado dois anos antes…
Waldo Vieira (médium) Hilário Silva (espírito)
Obsessão
Pacífica
Quando reencontrei o meu
amigo Custódio Saquarema na Vida Espiritual, depois da efusão afetiva de
companheiros separados desde muito, a conversa se dirigiu naturalmente para
comentários em torno da nova situação.
Sabia Custódio pertencente
a família espírita e, decerto, nessa condição, teria ele retirado o máximo de
vantagens da existência que vinha de largar. Pensando nisso, arrisquei
uma pergunta, na expectativa de sabê-lo com excelente bagagem para o ingresso
em estâncias superiores. Saquarema, contudo, sorriu, de modo vago, e
informou com a fina autocrítica que eu lhe conhecia no mundo:
– Ora, meu caro, você
não avalia o que seja uma obsessão disfarçada, sem qualquer mostra
exterior. A Terra me devolveu para cá, na velha base do ganhou, mas não
leva. Ajuntei muita consideração e muito dinheiro; no entanto, retorno
muito mais pobre do que quando parti, no rumo da reencarnação…
Percebendo que não me
dispunha a interrompê-lo, continuou:
– Você não ignora que
renasci num lar espírita, mas, como sucede à maioria dos reencarnados, trazia
comigo, jungidos ao meu clima psíquico, alguns sócios de vícios e
extravagâncias do passado, que, sem o veículo da carne, se valiam de mim para
se vincularem às sensações do plano terrestre, qual se eu fora uma vaca,
habilitada a cooperar na alimentação e condução de pequena família…
Creia que, de minha
parte, havia retomado a charrua física, levando excelente programa de trabalho
que, se atendido, me asseguraria precioso avanço para as vanguardas da
luz.
Entretanto, meus
vampirizadores, ardilosos e inteligentes, agiam à socapa, sem que eu, nem de
leve, lhes pressentisse a influência… E sabe como?
– ?…
– Através de simples
considerações íntimas – prosseguiu Saquarema, desapontado. – Tão logo me vi
saído da adolescência, com boa dose de raciocínios lógicos na cabeça, os
instrutores amigos me exortavam, por meus pais, a cultivar o reino do espírito,
referindo-se a estudo, abnegação, aprimoramento, mas, dentro de mim, as vozes
de meus acompanhantes surgiam da mente, como fios d’água fluindo de minadouro,
propiciando-me a falsa ideia de que falava comigo mesmo:
“Coisas da alma,
Custódio? Nada disso. A sua hora é de juventude, alegria, sol… Deixe a
filosofia para depois…”
Decorrido algum tempo,
bacharelei-me. As advertências do lar se fizeram mais altas,
conclamando-me ao dever; entretanto, os meus seguidores, até então invisíveis
para mim, revidavam também com a zombaria inarticulada: “Agora? Não é ocasião
oportuna. De que maneira harmonizar a carreira iniciante com assuntos de
religião? Custódio, Custódio!… Observe o critério das maiorias, não se faça de
louco!…”
Casei-me e, logo após os
chamados à espiritualização, recrudesceram em torno de mim. Meus solertes
exploradores, porém, comentaram, vivazes: “Não ceda. Custódio! E as
responsabilidades de família? É preciso trabalhar, ganhar dinheiro, obter
posição, zelar por mulher e filhos…”.
A morte subtraiu-me os
pais e eu, advogado e financista, já na idade madura, ainda ouvia os Bons
Espíritos, por intermédio de companheiros dedicados, requisitando-me à elevação
moral pela execução dos compromissos assumidos; todavia, na casa interna se
empoleiravam os argumentos de meus obsessores inflexíveis: “Custódio, você tem
mais quefazeres… Como diminuir os negócios? E a vida social? Pense na vida
social… Você não está preparado para a seara da fé…”
Em seguida, meu amigo,
chegaram a velhice e a doença, essas duas enfermeiras da alma, que vivem de mãos dadas
na terra. Passei a sofrer e desencantar-me. Alguns raros visitantes, de
minha senectude, transmitindo-me os derradeiros convites da Espiritualidade
Maior, insistiam comigo, esperando que eu me consagrasse às coisas sagradas da
alma; no entanto, dessa vez, os gritos de meus antigos vampirizadores se
altearam, mais irônicos, assoprando-me sarcasmo, qual se fora eu mesmo a
ridicularizar-me:
“Você, velho Custódio?! Que vai fazer você com o
Espiritismo? É tarde demais… Profissão de fé, mensagens de outro mundo… Que se
dirá de você, meu velho? Seus melhores amigos falarão em loucura, senilidade…
Não tenha dúvida… Seus próprios filhos interditarão você, como sendo um doente
mental, inapto à regência de qualquer interesse econômico… Você não está mais
no tempo disso…”.
Saquarema endereçou-me
significativo olhar e rematou:
– Os meus perseguidores
não me seviciaram o corpo, nem me conturbaram a mente. Acalentaram apenas
o meu comodismo e, com isso, me impediram qualquer passo renovador. Volto
à Terra, meu caro, imitando o lavrador endividado e de mãos vazias que regressa
de um campo fértil, onde poderia ter amealhado inimagináveis tesouros…
Sei que você ainda
escreve para os homens, nossos irmãos. Conte-lhe minha pobre experiência,
refira-se, junto deles, à obsessão pacífica, perigosa, mascarada… Diga-lhes
alguma coisa acerca do valor do tempo, da grandeza potencial de qualquer tempo
na romagem humana!…
Abracei Saquarema, de
esperança voltada para tempos novos, prometendo atender-lhe a
solicitação. E aqui se transcreve o ensinamento pessoal, que poderá
servir a muita gente, embora guarde a certeza de que, se eu andasse agora
reencarnado na Terra e recebesse de alguém semelhante lição, talvez estivesse
muito pouco inclinado a aproveitá-la.
Chico Xavier (médium) Irmão
X (espírito) Livro: Cartas e Crônicas
NÃO PERDOAR
Bezerra de Menezes, já
devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino
Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o
distinto jornalista passara a interessar-se.
Em meio da conversa, aproxima-se
um serviçal e comunica ao dono da casa:
– Doutor, o rapaz do
acidente está aí com um policial.
Quintino, que fora
surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não
lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente
fizera o disparo.
– Manda-o entrar –
ordenou o político.
– Doutor – roga o moço
preso, em lágrimas -, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos…
Compadeça-se! Não tinha
qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa
me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não
incomodarei o senhor…
O notável político,
cioso da própria tranquilidade, respondeu:
– De modo algum. Mesmo
que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.
Percebendo que Bezerra
se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta
indireta:
– Bezerra, eu não perdoo,
definitivamente não perdoo…
Chamado nominalmente à
questão, o amigo exclamou desapontado:
– Ah! você não perdoa!
Sentindo-se intimamente
desaprovado, Quintino falou, irritado:
– Não perdoo erro. E
você acha que estou fora do meu direito?
O Dr. Bezerra cruzou os
braços com humildade e respondeu:
– Meu amigo, você tem
plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…
A observação penetrou
Quintino como um raio.
O grande político tomou
um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após
refletir alguns momentos, disse ao policial:
Solte o homem. O caso
está liquidado.
E para o moço que
mostrava profundo agradecimento:
– Volte ao serviço hoje
mesmo, e ajude na copa.
Em seguida, lançou
inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que
haviam ficado.
Chico Xavier e Waldo
Vieira (médiuns) Hilário Silva (espírito)
A
SOMBRA DO BURRO
Certa vez, promovendo
uma assembleia pública em Atenas para tratar de altos interesses da pátria
grega, Demóstenes viu-se apupado pela turba impaciente, que fazia menção de
retirar-se sem ouvi-lo. Então, elevando a voz, disse que tinha uma historia
interessante a contar. Obteve, assim, silêncio e atenção, e começou:
– Certo jovem,
precisando ir de sua casa até Mégara durante o auge do verão, alugou um burro,
pondo-se a caminho. Quando o sol ficou a pino, ardentíssimo, tanto o moço como
o dono do animal alugado tiveram vontade de sentar-se à sombra do burro, e
começaram a empurrar-se mutuamente, a fim de ficar com o lugar. Dizia o dono do
animal que apenas alugara o burro e não a sua sombra, e o outro afirmava que
tendo pago o aluguel do burro, pagara também o de sua sombra, pois tudo quanto
pertencia ao burro lhe fora alugado com ele…
A esta altura.
Demóstenes levantou-se e fez menção de retirar-se. A multidão protestou,
desejosa de ouvir o resto da historia. Foi então que o prodigioso orador,
erguendo-se em toda a suas altura, e encarando com firmeza o auditório,
declarou, a voz trovejante:
– Atenienses! Que
espécie de homens sois, que insiste em saber a historia da sombra de um burro e
recusais tomar conhecimento dos fatos mais graves que vos dizem respeito?
Só então pode fazer o
discurso que pretendia, para um auditório envergonhado e atento, que, afinal,
ficou sem saber o fim da historia da sombra do burro.
Antônio F. Rodrigues
Livro: Antologia
Espírita e Popular “Mensagens dos Mestres”
A
FAMA DE RICO
O Coronel
Manoel Rabelo, influente fazendeiro no Brasil Central, fora acometido de
paralisia nas pernas. Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos. Muito
carinho. Assistência contínua.
No decurso
da doença, veio a conhecer a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes
à vida mental. Pouco a pouco desprendia-se da ideia de posse. Para que morrer
com fama de rico? Queria agora a paz, a bênção da paz.
Viúvo, dono
de expressiva fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro
filhos adultos e repartiu entre eles os seus bens. Terras, sítios, casas e
animais, avaliados em seis milhões de cruzeiros, foram divididos
escrupulosamente.
Com isso,
porém, veio a reviravolta. Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram
distantes e indiferentes. Muito embora as rogativas paternas, as visitas eram
raras e as atenções inexistentes.
Rabelo,
muito triste e quase completamente abandonado, perguntava a si mesmo se não
havia cometido precipitação ou imprudência. Os filhos não eram espíritas e
mostravam irresponsabilidade completa.
Nessa
conjuntura, apareceu-lhe antigo e inesperado devedor. O Coronel Antonio Matias,
seu amigo da mocidade, veio desobrigar-se de empréstimo vultoso, que havia tomado
sob palavra, e pagou-lhe dois milhões de cruzeiros.
Na presença
de dois dos filhos, Rabelo colocou o dinheiro em cofre forte, ao pé da cama.
Sobreveio o imprevisto.
Os quatro
filhos voltaram às antigas manifestações de ternura. Revezavam-se junto dele.
Papas de aveia. Caldos de galinha. Frutas e vitaminas. Mantinham-se cobertores
quentes e fiscalizavam a passagem do vento pelas janelas. Raramente Rabelo
ficava algumas horas sozinho.
E, assim,
viveu ainda dois anos, desencarnando em grande serenidade.
Exposto o
cadáver à visitação pública, fecharam-se os filhos no quarto do morto e,
abrindo aflitivamente o cofre, somente encontraram lá um bilhete escrito e
assinado pela vigorosa letra paterna, entre as páginas de surrado exemplar de
“O Evangelho segundo o Espiritismo”.
O papel
assim dizia: “Meus filhos, Deus abençoe vocês todos. O dinheiro que me restava,
distribuí entre vários amigos para obras espíritas de caridade. Lego, porém, a
vocês, o capitulo décimo quarto de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
E os quatro,
extremamente desapontados, leram a legenda que se seguia: “Honrai a vosso pai e
a vossa mãe. – Piedade filial”.
Waldo Vieira
(médium) Hilário Silva (espírito) Livro: Almas em Desfile
Trecho de Conversa
– A
propósito da divulgação da Doutrina Espírita – disse-nos ainda agora, Samuel de
Cirene, velho amigo da cultura israelita -, recordarei singelo acontecimento
que os séculos apagaram…
E contou:
– Certa
feita, nos primeiros tempos do Cristianismo, a peste devorava grande extensão
da Capadócia e da Galácia, reduzindo industriosas populações ao desespero.
Depois da doença fulminativa, veio a fome e, com a fome, surgiram tristeza e
penúria, aflição e abandono… Largos movimentos de solidariedade se
improvisaram, aqui e ali, para socorro às vítimas, e o apelo à generosidade
pública alcançou Antioquia, onde um grupo de cristãos abnegados se entregou ao
apostolado do auxílio.
Em dias
rápidos, numerosas famílias se despojaram de utilidades diversas, enquanto
corações generosos ofereciam recursos financeiros, em favor dos desamparados.
Tamanho foi o montante das preciosidades, que seis barcos, de um porto da
Selêucia, partiram repletos. A viagem começou entre preces e cânticos de
louvor; entretanto, depois de algumas horas, grosso nevoeiro desceu sobre as
águas e as nuvens pareciam tão perto que mais se assemelhavam a montanhas de
carvão em forma de neblina…
Sobreveio a
noite, sem que se tivesse noticia do pôr-do-sol, a não ser através de tênue
clarão, lembrando atmosfera de candeeiro longínquo… Findo longo tempo sobre a
onda agitada, a frota beneficente foi arrojada a maciço de penhascos,
despedaçando-se de encontro aos rochedos. Por esquecimento dos responsáveis, os
faróis de ilha vizinha jaziam apagados e a valiosa carga se perdeu por inteiro…
Esse antigo
incidente, meus amigos, ilustra a necessidade da divulgação criteriosa do
Espiritismo, em todas as direções. Indiscutivelmente, todos precisamos da
bondade que auxilia o corpo e lhe sana as mazelas, mas não nos é licito
esquecer, sem prejuízo grave, as exigências do espírito.
Esta, a
observação de um dos amigos experientes que nos seguem a viagem, na conversação
desta noite aprazível. Registro-a, de escantilhão, através do lápis
medianímico, antes de retomar-lhe o convívio, porque, se ainda hoje líamos
enternecidamente, aqui mesmo, o inolvidável aviso de Allan Kardec: “fora da
caridade não há salvação”, será justo acrescentar, com todo o nosso respeito à
memória do Codificador, que “fora da luz não existe caminho”.
Chico Xavier
(médium) Irmão X (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
A Escolha
do Representante
Thomas
Forster, o médium principal da instituição espírita em Washington, era um
veterano exigente.
Desejava
enviar um representante do grupo a certo movimento de estudos doutrinários a
realizar-se em Chicago, mas não queria fazê-lo sem minuciosa seleção.
– Quero um
elemento puro, absolutamente puro, um cristão perfeito, se pudermos
classificá-lo assim – dizia, agitando o dedo em riste, lembrando batuta em mãos
de maestro nervoso.
– Mas você –
falava Boland, o companheiro mais íntimo – não pode pedir o impossível. Os
espíritas são homens e mulheres fazendo força na própria melhoria moral.
Procuraremos um companheiro de hábitos simples, mas sem a preocupação de
santidade.
Forster ria
amarelo, mas não dava braços a torcer.
– Pode ser
exigência minha, mas não mandaremos companheiro algum dos que eu conheça.
E num rasgo
de rigorismo:
– Nem mesmo
eu me considero apto. Lido com muitos negócios materiais e quero que a nossa
casa se represente em Chicago por um espírita-cristão completo. Humilde,
alfabetizado, amante dos sofredores e absolutamente arredado de todas as
ilusões da Terra…
– Muito
difícil – observava Boland, sorrindo -, onde encontrar essa ave rara, se
estamos longe do Céu?
Forster
lembrou que, durante quatro domingos consecutivos, enquanto pregava o Evangelho
vira na última fila um homem de aspecto simpático, que não conhecia. Trajava-se
com simplicidade, sem ser relaxado, mostrava olhar sereno, tipo evidentemente
ponderado e esquivo a qualquer conversação ociosa.
Após ligeiro
comentário, concluiu:
– Parece-me
o homem ideal; se for um espírita de convicção, pelos modos que demonstra, será
o representante adequado…
Combinaram,
assim, ouvi-lo na próxima sessão domingueira.
No dia aprazado, lá estava o assistente desconhecido. Enquanto Forster falava, Boland aproximou-se dele e pediu-lhe alguns minutos de atenção para depois.
No dia aprazado, lá estava o assistente desconhecido. Enquanto Forster falava, Boland aproximou-se dele e pediu-lhe alguns minutos de atenção para depois.
E, finda a
preleção, os dois amigos abeiraram-se dele.
À primeira indagação que lhe foi atirada, respondeu, calmo:
À primeira indagação que lhe foi atirada, respondeu, calmo:
– Sim, estou
fazendo o que posso para ser espírita.
Forster
continuou perguntando e ele prosseguiu respondendo:
– O irmão
tem vida mundana ativa?
– Quem sou
eu, meu amigo? Ando em luta contínua…
– Mas
dedica-se aos sofredores?
– Tenho a
vida entre os que choram.
– Escolheu,
assim, o caminho da caridade cristã?
– Como não,
meu amigo? Ouvir aflições e estar com os necessitados de conforto é meu simples
dever…
– E ajuda a
todos, em sua noção de serviço social?
– Devo
servir a todos… ricos e pobres, justos e injustos, moços e velhos. Não posso fazer
distinção.
Encantado, o
velho Thomas inquiriu, ainda:
– E o irmão
procede assim espontaneamente?
O
desconhecido sorriu e acentuou:
– Ah! Até
certo ponto… Se eu pudesse cultivaria minhas festas e me afastaria, pelo menos
um pouco, de tantos sofrimentos e tantas lágrimas!…
Foi então
que Forster veio a saber que o homem trabalhava no antigo Fort Lincoln e
desempenhava as funções de coveiro.
Hilário Silva e Waldo Vieira
CURIOSA SELEÇÃO DE
OBREIROS
Um homem
saiu a recrutar pessoas para realização de um trabalho importante.
Procurou os
jovens. Muitos disseram que não tinham experiência, nem vocação para o serviço.
Senhores de
meia idade alegaram compromissos inadiáveis. Alguns velhos discorreram sobre
dificuldades de locomoção, raciocínio lento ou doenças que reclamavam repouso.
Disse o
homem:
– Que farei?
E teve uma ideia.
Contratou
músicos e postou-se na esquina de uma praça movimentada. Ao som de tamborins,
pandeiros, reco-reco, cuícas e muita cantoria não tardou enorme ajuntamento de
pessoas de todas as idades.
Era gostoso
de se ver: Cantavam, pulavam frenéticos. Todos queriam mostrar a boa forma e
brincar, de verdade, a mais valer, com o máximo empenho.
Depois de
algum tempo, dispensou os músicos e começou a falar sobre assuntos cívicos,
deveres para a família, a pátria e a humanidade, coisas dessa grandeza.
Como
previra, notou que poucos ficaram ouvindo; muitos se foram.
Continuou falando sobre moral e retidão do caráter, vigília religiosa e ensinos evangélicos. Aí a situação piorou. E não demorou a perceber pequena plateia ao seu redor.
Continuou falando sobre moral e retidão do caráter, vigília religiosa e ensinos evangélicos. Aí a situação piorou. E não demorou a perceber pequena plateia ao seu redor.
Finalmente,
conclamou à reduzida assembleia:
– Agora,
preciso de operários. De gente para trabalhar. Quem se habilita?
Ficaram
cinco jovens, duas senhoras, um homem de meia-idade e dois velhos.
Levantando
as mãos para o céu o recrutador orou jubiloso:
– Graças te
dou, meu Pai por me teres concedido esta pequena multidão excelente!…
Um erudito,
desses bem tolos que a tudo assistia, compadecido, aproximou-se dele e
colocando a mão sobre seu ombro, lhe disse:
– Pobre
homem, perdeste uma multidão e ainda rendes graças? Havia mais de mil pessoas
aqui…
– Ah, meu
irmão! disse o homem, é porque tu não sabes… Cada um dos que ficaram vale por
mil dos que se foram!
E nós, em
que condição de obreiros nos situamos, quando o Pai nos solicita o auxílio na
tarefa de evangelizar?
Edna C. M. Teixeira (Revista Espírita)
Menina de Rua
A mídia e o
carisma de apresentadoras de programas de televisão propagaram e multiplicaram
nomes pelos quadrantes do Brasil e romperam fronteiras: Nika é uma delas. Quem
não a conhece? Passou a ser apelido de loiras e até loiros de todas as idades,
pela popularidade e aceitação dessa imagem de nosso tempo. Hoje, eu vi uma
Nika. Como tantas outras que se apresentam no cotidiano dos vídeos, anúncios e
artigos de consumo, ela também se destacava, mesmo sem ser produzida, e me
polarizou a atenção por sua presença no grupo que se formava à saída do moderno
supermercado.
Em meio aos
adolescentes e quase adultos, mendigos e maltrapilhos, era a única menina. Pés descalços
e muito sujos, cabelos loiros, desuniformes e embaraçados, higiene pessoal
comprometida e prematuros vícios de postura; sua face direita estampava uma
tênue mancha escura e porosa – talvez alguma cicatriz em evolução, talvez
alguma deficiência na pigmentação da pele, talvez alguma sujeira momentânea…
não sei…
Desnutrida e
de gestos lerdos, apesar da juventude, mais parecia uma boneca de pano, deixada
ao chuvisco da tarde, esquecida e molhada.
Difícil
avaliar sua idade, diante dos rigores que a vida lhe reservou; possivelmente
não mais que a faixa dos anos de fantasia que alentam e fazem sonhar as mais
empolgadas debutantes.
Seu nome de
batismo adormeceu no passado, se é que teve a graça desse sacramento ou um
registro em cartório.
Agora é
simplesmente Nika, só isso.
Como se
fosse um estilizado cachimbo da paz, uma garrafa de cachaça peregrinava pelo
grupo de boca em boca. Uma cena de estarrecer! Do gole que lhe foi oferecido
com o sabor híbrido e ardente do gargalo, ela sorveu um trago sem contrair a
face, deixando escorrer as teimosas gotas pelo canto da boca e alguns respingos
sobre o surrado vestido que um dia foi azul.
Olhei-a
atormentado e surpreso, pelo automatismo de seu gesto, e nada disse; sequer
transformei em palavras minhas ideias confusas. Ainda assim, ela me olhou
sorrateira e respondeu sonora e incisiva à silenciosa pergunta que guardei no
pensamento:” É melhor beber do que roubar!”
Embaralhei
os gestos e palavras de sua frase espontânea, buscando uma composição para lhes
descobrir lógica ou incoerência, ignorância ou sabedoria, protesto ou desabafo…
Seu olhar
disse tudo e me trouxe uma verdade clara e lamentável. Hoje, eu vi uma Nika!
Adolescente
sem rumo na calçada. Sem postura, sem força de opinião. Podia ser a minha
filha. Ou a sua. Filha da sociedade em desunião. Herdeira do amor pelo nada. Os
passantes nada sabem do seu ontem. Presumem as sombras do seu amanhã.
Quanta
história você já tem para contar, lembrar, esquecer! Quanta queixa ecoa no
vazio de todo dia e toda noite! E quantos riscos, maldades e agressões você
teve que enfrentar para sobreviver, caminhando pelas sendas imprevisíveis do
perigo!
Que pena,
amiguinha sem nome; sequer sabemos se ainda é menina, ou se a brutalidade dos
homens já foi impiedosa com a sua pureza! Que pena que a rua lhe adotou!
E nenhum de
nós lhe estendeu a mão, para impedir a sua caminhada para o abismo! Afinal,
quem é mais pecador? Aquele que não recebe ou aquele que não doa? Quem é? Quem
somos? Somos todos culpados. Todos nós!
Que Deus lhe
proteja Nika! E que nos perdoe também!
Paulo de la Peña (Livro: Cidade Viva)
Mãe
Quando Jesus
ressurgiu do túmulo, a negação e a dívida imperavam no círculo dos
companheiros.
Voltaria
Ele? Perguntavam, perplexos. Quase impossível. Seria Senhor da Vida Eterna quem
se entregara na cruz, expirando entre malfeitores?
Maria
Madalena, porém, a renovada, vai ao sepulcro de manhãzinha. E maravilhosamente
surpreendida, vê o Mestre ajoelhando-se aos pés. Ouve-lhe a voz repassada de
ternura, fixa-lhe o olhar sereno e magnânimo. Entretanto, para que a visão se
lhe fizesse mais nítida, foi necessário organizar o quadro exterior. O jardim
recendia perfumes para a sua sensibilidade feminina, a sepultura estava aberta,
compelindo-a a raciocinar.
Para que a
gravação das imagens se tornassem bem clara, lavando-lhe todas cãs dúvidas da
imaginação, Maria julgou a princípio que via o jardineiro. Antes da certeza, a
perquirição da mente precedendo a consolidação da fé. Embriagada de júbilo, a
convertida da Magdala transmite a boa-nova aos discípulos confundidos. Os olhos
sombrios de quase todos se enchem de novo brilho.
Outras
mulheres, como Joana de Cusa e Maria, mãe de Tiago, dirigem-se, ansiosas, para
o mesmo local, conduzindo perfumes e preces gratulatórias. Não enxergam o
Messias, mas entidades resplandecentes lhes falam do Mestre que partiu.
Pedro e João
acorrem, pressurosos, e ainda vêem a pedra removida, o sepulcro vazio e apalpam
os lençóis abandonados.
No colégio
dos seguidores, travam-se polemicas discretas.
Seria? Não
seria?
Contudo,
Jesus, o Amigo Fiel, mostra-se aos aprendizes no caminho de Emaús, que lhe
reconhecem a presença ao partir do pão e, depois, aparece aos onze
cooperadores, num salão de Jerusalém. As portas permanecem fechadas e, no
entanto, o Senhor demora-se, junto deles, plenamente materializado. Os
discípulos estão deslumbrados, mas o olhar do Messias é melancólico.
Diz-nos João
Marcos que o Mestre lançou-lhes em rosto a incredulidade e a dureza de coração.
Exorta-os a que o vejam, que o apalpem. Tomé chega a consultar-lhe as chagas
para adquirir a certeza de que observa. O Celeste Mensageiro faz-se ouvir para
todos.
E, mais
tarde, para que se convençam os companheiros de sua presença e da continuidade
de seu amor, segue-os, em espírito, no labor da pesca. Simão Pedro registra-lhe
carinhosas recomendações, ao lançar as redes, e encontra-o nas preces
solitárias da noite.
Em seguida,
para que os velhos amigos se certifiquem da ressurreição, materializa-se num
monte, aparecendo a quinhentas pessoas da Galileia.
No
Pentecostes, a fim de que os homens lhe recebam o Evangelho do Reino, organiza
fenômenos luminosos e linguísticos, valendo-se da colaboração dos companheiros,
ante judeus e romanos, partos e medas, gregos e elamitas, cretenses e árabes.
Maravilha-se o povo. Habitantes da Panfília e da Líbia, do Egito e da Capadócia
ouvem a Boa-Nova no idioma que lhes é familiar.
Decorrido
algum tempo, Jesus resolve modificar o ambiente farisaico e busca Saulo de
Tarso para o seu ministério; entretanto, para isso é compelido a
materializar-se no caminho de Damasco, a plena luz do dia. O perseguidor
implacável, para convencer-se, precisa experimentar a cegueira temporária, após
a claridade sublime; e para que Ananias, o servo leal, dissipe o temor e vá
socorrer o ex-verdugo, é imprescindível que Jesus o visite, em pessoa,
lembrando-lhe o obséquio fraternal.
Todos os
companheiros, aprendizes, seguidores e beneficiários solicitaram a cooperação
dos sentidos físicos para sentir a presença do Divino Ressuscitado.
Utilizaram-se dos olhos mortais, manejaram o tato, aguçaram os ouvidos.
Houve,
contudo, alguém que dispensou todos os toques e associações mentais, vozes e
visões. Foi Maria, sua Divina Mãe. O Filho Bem-Amado vivia eternamente, no
infinito mundo de seu coração. Seu olhar contemplava-o, através de todas as
estrelas do Céu e encontrava-lhe o hálito perfumado em todas as flores da
Terra.
A voz
d´Ele vibrava em sua alma e para compreender-lhe a sobrevivência bastava
penetrar o iluminado santuário de si mesma. Seu filho – seu amor e sua vida –
poderia, acaso, morrer? E embora a saudade angustiosa, consagrou-se à fé no
reencontro espiritual, no plano divino, sem lágrimas, sem sombras e sem morte!…
Homens e
mulheres do mundo, que haveis de afrontar, um dia, a esfinge do sepulcro, é
possível que estejais esquecidos plenamente, no dia imediato ao de vossa
partida, a caminho do Mais Além. Familiares e amigos, chamados ao imediatismo
da luta humana, passarão a desconhecer-vos, talvez, por completo. Mas, se
tiverdes um coração de mãe pulsando na Terra, regozijar-vos-ei, além da
escura fronteira de cinzas, porque aí vivereis amados e felizes para sempre!
Chico Xavier (médium) Irmão X (espírito)
Os Vira-latas
Desaparecera
Nelito, o filhinho do industrial Sérgio Luce.
A família
viera da cidade passar o fim de semana no apagado burgo madeireiro. E Manoel, o
pequeno Nelito, de quatro anos, embrenhara-se na mata enorme que circundava a
localidade.
Duas horas
longas de expectativa.
A senhora
Luce chorava ao pé do marido preocupado. Amigos chegando. Servidores em
movimento. Lá estavam as pessoas mais salientes da vila. O médico, o sacerdote,
o juiz, alguns professores e o antigo advogado, Dr. Nascimento Júnior, muito
conhecido pela sua intransigência religiosa.
Humilde,
apareceu também Florêncio Gama, o diretor do templo espírita recém-fundado.
Misturava-se, em sua roupa surrada, à turba palradora, no grande portão da
entrada, sustendo dois cães arrepiados, em corda curta.
– Florêncio!
Florêncio, venha cá!
Era o Dr.
Nascimento a chamá-lo. O operário simples, de chapéu na mão e segurando os
cachorros mansos, foi atender.
Talvez
desejando humilhá-lo, o causídico pronunciou grande sermão.
Não estimava
saber que um templo espírita se erguera.
Respeitava
em Florêncio um homem de bem. Trabalhador correto. Ordeiro. Entretanto, não
queria vê-lo nas fileiras espíritas. E acrescentava que os espíritas não eram
cristãos tradicionais. Não tinham classe. Discutiam livremente o Evangelho do
Senhor. E isso parecia desrespeito.
A Doutrina
Espírita, a seu ver, constituía desordenado movimento do povo. Sem pastor
visível. Sem qualquer linha aristocrática na direção. Que o amigo lhe
desculpasse. A hora de inquietude não comportava o assunto; contudo, não
conseguia furtar-se ao ensejo.
Florêncio
ouviu calado.
Explicou que
desejava simplesmente cooperar na busca. E pediu uma roupa usada pela criança.
A senhora
Luce atendeu.
Em seguida,
solicitou a presença dos cães que habitavam a casa. Vieram à sala quatro
buldogues solenes, cinco dinamarqueses fidalgos, dois “fox-terriers” e uma
cadelinha bassé”.
Florêncio
deu-lhes a roupa da criança a cheirar, mas não se moveram.
A seguir,
repetiu a operação com os dois cãezinhos que o acompanhavam. Latiram,
impacientes. E libertos correram para a mata, voltando, daí a alguns minutos,
ladrando alegremente.
–
“Sigamo-los – disse Florêncio -, tudo indica que a criança foi encontrada”.
Todo o grupo
avançou.
Com efeito,
em pouco tempo, seguindo os cães, surpreenderam a criança dormindo num monte de
palha seca.
Os animais
ganiam, felizes, como quem havia cumprido agradável dever.
Júbilo
geral.
Florêncio
recolheu os companheiros para a volta, e, dirigindo-se bem-humorado, ao Dr.
Nascimento, disse-lhe:
– Olhe a
lição, doutor. O senhor, decerto, enganou-se ao, dizer que a Doutrina Espírita
não possui representantes respeitáveis. Temos, sim. E muitos. Agora, quanto a
sermos uma religião do povo, lembre-se de que os cães de raça, embora
valiosíssimos. Ficaram em casa emproados e preguiçosos. Nossos cachorros
anônimos, porém, não hesitaram…
E terminou,
contente:
– Conforme o
senhor disse, os espíritas podem ser os vira-latas do canil terrestre, segundo
o seu conceito, mas procuram trabalhar, aprendendo a servir…
Waldo Vieira
(médium) Hilário Silva (espírito) Livro: Almas em Desfile
MESMO FERIDO
O rapaz fora rudemente
esbofeteado num baile. Em sã consciência, não sentia culpa alguma. Nada fizera
que pudesse ofender. Por mera desconfiança, o agressor lhe esmurra o rosto.
“Covarde, covarde” – haviam dito os circunstantes.
Ele, porém, limpando a face
sanguinolenta, compreendeu que, desarmado, não seria prudente medir forças.
Jurara, porém, vingar-se. E, agora, munido de um revólver, aguardava ocasião.
Um amigo, no entanto, percebendo-lhe a alma sombria, instou muito e conduziu-o
a uma reunião da Doutrina Espírita.
Desinteressado, ouviu preces e
pregações, comentários e apontamentos edificantes.
Ao término da sessão, porém, um
amigo espiritual, pela mão de um dos médiuns presentes, escreveu bela página
sobre o perdão, na qual surgiam afirmações como estas:
– A justiça real vem de Deus.
– Ninguém precisa vingar-se.
– Mesmo ferido, serve e perdoa.
– A corrigenda do ofensor pode
ser amanhã.
O jovem ouviu atentamente e saiu
pensando, pensando…
Na manhã seguinte, topou, face a
face, o desafeto, mas recordou a lição e conteve-se. Por uma semana se repetiu
o reencontro, e, por sete vezes, freou-se prudentemente.
Dias depois, porém, retornado ao
trabalho, encontra um enterro e descobre-se. Só então vem a saber que o grande
esmurrador, aquele que o ferira, morrera na véspera, picado por escorpião.
Chico
Xavier (médium) HilárioSilva(espírito)
A CONVIVÊNCIA PERFEITA
Mário Vicente era vidrado na ideia
das famílias espirituais, que se sobrepõem às precárias ligações sanguíneas.
– Pois é – dizia, entusiasmado, a
um confrade espírita -, os Espíritos tendem a formar grupos afins nos caminhos
da vida.
– Reencarnam juntos?
– Sim, sempre que possível,
compondo lares ajustados e harmônicos, “um por todos, todos por um”.
– Você vive com sua família
espiritual?
Mário Vicente esboçou um sorriso
triste.
– Quem me dera! Lá em casa nosso
relacionamento funciona mais na base de “cada um por si e Deus por todos”.
Estamos longe de um entendimento razoável. É muita discussão, muita briga…
Somos velhos adversários amarrados pelo sangue a fim de nos reconciliarmos.
– Recebeu alguma revelação?
– Não… nem seria preciso! Basta
observar nossos conflitos.
– A barra é pesada?
– Bem… não é tanto assim. Gosto
muito de minha mulher. Até pensei, durante os primeiros tempos, fosse uma alma
gêmea. Ela é dedicada ao lar, mãe prestimosa. Ocorre que é um tanto
voluntariosa e, não raro, agressiva. Faz tempestade em copo d’água. Considero a Ernestina meu teste de paciência. Nossos
“santos” estranham-se frequentemente.
– E os filhos?
– Adoro todos eles, mas são
Espíritos imaturos que dão trabalho e não raro desgostos. Imagine que Pedro, o
mais velho, envolveu-se com drogas! Júnior, o do meio, “aborrescente” típico,
vive a me questionar; Jussara é delicada e sensível, mas puxou o gênio da mãe.
Se contrariada, sai de perto! Um horror!
– São seus credores. Cobram
prejuízos que você lhes causou em vidas anteriores…
– Certamente! Estou consciente
desse compromisso. Tento fazer o melhor, sustentando a estabilidade do lar. No
entanto, não é fácil. Às vezes perco o controle. Envergonho-me das brigas em
que me envolvo… convenhamos, porém, que ninguém é de ferro…
Mário Vicente suspirou,
emocionado:
– Sinto falta de um
relacionamento familiar sustentado por legítima afinidade. Todos olhando na
mesma direção, empenhados em cultivar a paz, o trabalho do bem, a amizade, a
compreensão… Seria o Paraíso! Vejo-me como um retardatário, preso a
compromissos decorrentes de besteiras que andei cometendo purgando meus
débitos. Certamente aprontei muito!
– Espera alcançar a família
espiritual?
– Claro! Hei de cumprir minhas
obrigações, fazendo o melhor, a fim de merecer um retorno ao convívio de meus
queridos, em estágios mais altos… Tenho convicção de que uma companheira muito
amada espera por meu sucesso nas provações humanas para nos reunirmos.
Animado por seus sonhos Mário
Vicente esforçava-se para superar as dificuldades de relacionamento junto à
esposa e filhos. Tolerava suas impertinências. Fazia de tudo para ajudá-los.
Exercitava carinho e compreensão.
O atendimento dos compromissos
junto à família humana haveria de lhe proporcionar o sonhado reencontro com a
família espiritual.
Passaram-se os anos.
Os filhos casaram, vieram netos,
ampliou-se o grupo familiar, sucederam-se os problemas, mas nosso herói até que
conseguiu sair-se relativamente bem, acumulando méritos.
Ao completar setenta e dois anos regressou
à Pátria Espiritual.
Espírita esclarecido, não teve
dificuldade para reconhecer-se livre do escafandro de carne, amparado por
generosos benfeitores.
Após os primeiros tempos, já
adaptado à nova situação, procurou dedicado orientador da instituição
socorrista que o abrigara.
Foi logo pedindo, inspirado pelo
ideal que acalentava:
– Estimaria, se possível, receber
noticias de minha família espiritual…
– Seus familiares estão bem, nas
lutas de sempre, sofrendo e aprendendo, como todos os homens.
– Estão reencarnados? Pensei que
os encontraria aqui!
– Você conviveu com eles até
alguns meses atrás. Não sabe que continuam na Terra?
– Não me refiro à família humana.
Anseio abraçar os entes queridos de priscas eras, e, sobretudo, a amada perdida
nas brumas do passado…
O mentor sorriu:
– Falou bonito, mas está
equivocado, meu amigo. Sua família espiritual é aquela que lhe marcou a
experiência na carne. Sua esposa é uma alma de eleição. Os filhos são antigos
companheiros de jornada evolutiva. Desde remoto passado vocês vivem
experiências em comum.
– Mas, e os nossos problemas de
relacionamento?
– Haveriam de experimentá-los
mesmo que se transferissem para a esfera do Cristo. Como ensinava o Mestre,
ainda há muita dureza no coração humano.
– Que devo fazer?
– Você se julgava um
retardatário. Na verdade, não obstante suas limitações, está um pouco à frente
do grupo familiar, ainda lento na aquisição de valores espirituais. Tem,
portanto, o dever de ajudá-lo. Foi essa a sua tarefa na última existência. Será
esse o seu compromisso agora.
E Mário Vicente, que tanto
ansiara por sua família espiritual, constatou que estivera com ela durante
décadas, sem se dar conta disso.
Muita água rolaria no rio da vida
até que todos ganhassem asas, habilitando-se à convivência perfeita.
Richard Simonetti
Na Hora da Cruz
Quando o Mestre se afastou do
Pretório, suportando o madeiro a que fora sentenciado pelo povo em desvario,
pungentes reflexões lhe assomavam ao pensamento.
Que fizera senão o bem? Que
desejara aos perseguidores senão a bênção da alegria e a visitação da luz?
Quando receberiam os homens o dom
da fraternidade e da paz?
Devotara-se aos doentes com
carinho, afeiçoara-se aos discípulos com fervor… Entretanto, sentia-se
angustiadamente só.
Doíam-lhe os ombros dilacerados.
Porque fora libertado Barrabás, o
rebelde, e condenado ele, que reverenciava a ordem e a disciplina?
Em derredor, judeus irritados
ameaçavam-no erguendo os punhos, enquanto legionários semi-ébrios proferiam
maldições.
A saliva dos perversos
fustigava-lhe o rosto e, inclinando-o para o solo, a cruz enorme pesava…
“Ó, Pai! – refletia, avançando
dificilmente – que fiz para receber semelhante flagelação?”
Anciãs humildes tentavam
confortá-lo, mas, curvado qual se via, nem mesmo lhes divisava os semblantes.
“Porque a cruz? – continuava
meditando, agoniado – porque lhe cabia tolerar o martírio reservado aos
criminosos?”
Lembrou as crianças e as mulheres
simples da Galiléia, que lhe compreendiam o olhar, recordando, saudoso, o
grande lago, onde sentia a presença do Todo-Compassivo, na bondade da natureza…
Lágrimas quentes borbotaram-lhe
dos olhos feridos, lágrimas que suas mãos não conseguiam enxugar.
Turvara-se-lhe a visão e, incapaz
de mais seguro equilíbrio sobre o pedregulho do caminho estreito, tropeçou e
caiu de joelhos.
Guardas rudes vergastaram-lhe a
face com mais violência.
Alguns deles, porém,
acreditando-o sob incoercível cansaço, obrigaram Simão, o Cireneu, que voltava
do campo, a auxiliá-lo na condução do madeiro.
Constrangido, o lavrador tomou
sobre os ombros o terrível instrumento de tortura e só então conseguiu Jesus
levantar a cabeça e contemplar a multidão que se adensava em torno.
E observando a turba irada, oh! Sublime
transformação!… Notou que todos os circunstantes estavam algemados a tremendas
cruzes, invisíveis ao olhar comum.
O primeiro que pode analisar
particularmente foi Joab, o cambista, velho companheiro de Anás, nos negócios
do Templo. Ele se achava atado ao lenho da usura. Vociferava, aflito,
escancarando a garganta sequiosa de ouro.
Não longe, Apolônio, o soldado da
corrte, mostrava-se agarrado à enorme cruz da luxuria, repleta de vermes roazes
a lhe devorarem o próprio corpo. Caleb, o incensador, berrava frenético,
entretanto, apresentava-se jungido ao madeiro do remorso por homicídios
ocultos. Amós, o mercador de cabras, arrastava a cruz da enfermidade que o
forçava a sustentar-se em vigorosas muletas. José de Arimateia, o amigo
generoso, que o seguia, discreto, achava-se preso ao frio lenho dos deveres
políticos, e Nicodemus, o doutor da lei, junto dele, vergava, mudo, sob o
estafante madeiro da vaidade.
Todas as criaturas daquele
estranho ajuntamento traziam consigo flagelações diversas.
O Mestre reconhecia-as,
acabrunhado.
Eram cruzes de ignorância e
miséria, de revolta e concupiscência, de aflição e despeito, de inveja e iniquidade.
Tentou concentrar-se em maior
exame, contudo, piedosas mulheres em lágrimas acercaram-se dele, de improviso.
– Senhor, que será de nós, quando
partires? – gritava uma delas.
– Senhor, compadece-te de nossa
desventura! – suplicava outra.
– Senhor, nós te lamentamos!…
– Mestre, pobre de ti!
O Cristo fitou-as, admirado.
Todas exibiam asfixiantes
padecimentos.
Viu que, entre elas, Maria de
Cleofas trazia a cruz da maternidade dolorosa, que Maria de Magdala pranteava
sob a cruz da tristeza e que Joana de Cusa, que viera igualmente às celebrações
da Páscoa, sofria, sob o madeiro do casamento infeliz…
Azorragues lamberam-lhe a cabeça
coroada de espinhos.
A multidão começava a mover-se,
de novo.
Era preciso caminhar.
Foi então que o Celeste
Benfeitor, acariciando a própria cruz que Simão passara a carregar, nela sentiu
precioso rebento de esperança, com que o Pai Amoroso lhe agraciava o
testemunho, a fim de que as sementes da renovação espiritual felicitassem a
Humanidade. E, endereçando compassivo olhar às mulheres que o cercavam,
pronunciou as inesquecíveis palavras do Evangelho:
– Filhas de Jerusalém, não
choreis por mim!… Chorai, antes, por vós mesmas e por vossos filhos, porque
dias virão em que direis: bem-aventurados os ventres que não geraram e os seios
que não amamentaram!… Então, clamareis para os montes: Caí sobre nós! – e
rogareis aos outeiros: Cobri-nos! – porque, se ao madeiro verde fazem isto, que
se fará com o lenho seco?
DUAS ESPÉCIES DE CORAGEM
Vivia em Cuzco, no tempo do
célebre Inca Viracocha (na segunda metade do século XIV), um valente general,
de nome Sinchi Maqui, que tinha prestado valiosos serviços ao Inca Yahuar
Huacar, e era muito estimado por este e pelo sucessor, por ser muito corajoso e
intrépido. O seu nome brilhava na lista dos defensores da Pátria Peruana, nas
expedições contra as províncias de Chinchafuya e Atahaualha, e gozava de grande
estima e confiança do imperador Viracocha.
Tinha um filho, de nome Hailhi, e
desejava que este se tornasse igualmente célebre no desempenho das atividades
militares. O jovem, porém, não mostrava grande amor aos exercícios próprios dos
guerreiros, preferindo ocupar-se com os estudos científicos.
Dedicava seu tempo à leitura dos nós dados em
cordões, distribuídos em suspensão em grandes salões do palácio imperial; pois,
no Império dos Incas não se conhecia a arte de escrever sobre papel ou
semelhante material, mas todos os registros de fatos históricos e as notas da
vida prática eram feitos por meio desses nós, cuja leitura e manipulação era
dada aos poucos homens, encarregados de tais conhecimentos.
Ao principio agradava ao pai a
aplicação do filho nos estudos, porque julgava que, depois de tornar-se
“Amauta”, isto é, sábio, dedicar-se-ia com entusiasmo aos exercícios das armas,
manejo da flecha e das lutas corporais. Quando, porém, uma dia Hailhi explicou
claramente ao pai que não queria ser guerreiro, e sim continuar seus estudos, e
tornar-se útil à Pátria com o seu saber, Sinchi Maqui, já velho, indignou-se e,
agarrando uma lança, atirou-a contra o filho, exclamando: “Morre, filho
desobediente e covarde!”.
Como, porém, a velhice tinha
enfraquecido o braço do guerreiro e seus olhos, a lança não acertou o coração
do jovem, ferindo-o apenas superficialmente no peito. Hailhi, sem assustar-se,
tirou a lança da ferida e, sorrindo, entregou-a ao pai, colocando-se perto dele
e oferecendo seu peito para novo golpe.
Este rasgo de coragem e nobre
atitude do filho, produziu no velho guerreiro uma profunda impressão.
Envergonhado, quis suicidar-se com a mesma lança; porém, Hailhi impediu-o nesse
intuito, dizendo-lhe: “Meu pai, já viste que não sou covarde; tem, portanto,
também tu a coragem de suportar a tua vida, pois, não há motivo para
desesperares. Não é só na guerra que se manifesta a coragem; a vida apresenta
muitas ocasiões em que ela é exigida”.
Desde aquele tempo, Sinchi Maqui
nunca mais contrariou a vocação do filho, e alcançou ainda os anos em que
Hailhi se tornou célebre na Corte Imperial por sua grande sabedoria.
Antônio F. Rodrigues (médium) F. V.
Lorenz (espírito) Livro: Mensagens dos Mestres
QUINZE MINUTOS
Aristeu Leite era antigo lidador
da Doutrina Espírita. Assíduo cliente das sessões. Dono de belas palestras.
Edificava maravilhosamente os ouvintes. Bom leitor. Correspondente de
instituições distintas.
Mantinha com veemência o culto do Evangelho no lar.
Extremamente caridoso. Visitava, cada fim de semana, vários núcleos beneficentes.
Mantinha com veemência o culto do Evangelho no lar.
Extremamente caridoso. Visitava, cada fim de semana, vários núcleos beneficentes.
Naquela sexta-feira foi para
casa, exultante. Vivera um dia pleno de trabalho, coroado à noite pela oração
ao pé dos amigos.
Entrou. Serviu-se de pequena porção de leite e, logo após, dirigiu-se ao quarto de dormir, onde a esposa e as filhinhas repousavam. Preparou-se para o sono. Sentia, porém, necessidade de meditação e voltou à sala adjacente.
Entrou. Serviu-se de pequena porção de leite e, logo após, dirigiu-se ao quarto de dormir, onde a esposa e as filhinhas repousavam. Preparou-se para o sono. Sentia, porém, necessidade de meditação e voltou à sala adjacente.
Abriu pequeno volume e releu este
trecho:
“O cristão é testado, a cada
instante, em sua fé, pelos acontecimentos naturais do caminho. Por isso mesmo,
a oração e a vigilância, recomendadas pelo Divino Mestre, constituem elementos
indispensáveis para que estejamos serenos e valorosos nas menores ações da
vida. Em razão disso, confie na Providência Maior, busque a benignidade e seja
otimista.
A caridade acima de tudo é
infatigável amor para todos os infelizes. Por ela encontraremos a porta de
nossa renovação espiritual. Acalme-se, pois, sejam quais forem as circunstancias
e ajude a todos os seres da Criação, na certeza de que estará ajudando a si
mesmo”.
Aristeu fechou o livro,
confortado e refletiu:
“Estou satisfeito. Vivi bem o meu
dia. Continuarei imperturbável. Auxiliarei a todos. Estou firme. Louvado seja
Deus”. Sem dúvida, sentia-se mais senhor de si. Realizava-se. E, em voo mais
alto de superestimação do próprio valor, acreditou-se em elevado grau de
ascensão íntima. Nesse estado d’alma, proferiu breve oração e consultou o
despertador. Uma e quinze da madrugada. Apagou a luz e recolheu-se.
Penetrava de leve os domínios do
sono, quando acordou sobreexcitado. Alguém pressionava de manso a porta. A
esposa despertou trêmula. Aterrada, não conseguiu sequer falar.
Aristeu, descontrolado, pôde
apenas balbuciar:
– Psiu, psiu… Ladrão em casa.
Lembrou-se, num átimo, de antigo
revólver carregado, em gaveta de seu exclusivo conhecimento.
Deslizou, à feição de gato. E
porque o rumor aumentasse, disparou dois tiros contra o suposto intruso.
Dispunha-se a continuar, quando
voz carinhosa exclamou assustadiça:
– Meu filho! Meu filho! Sou eu,
seu pai! Sou eu! Sou eu!…
Desfez-se o tremendo engano.
O genitor do chefe da casa viera
de residência contígua. Possuindo as chaves domésticas, não vacilara, aflito,
em vir rogar ao filho socorro médico para a esposa acamada, com febre alta.
Algazarra. Vizinhos em cena. Meninas
em choro de grande grito.
Aristeu, envergonhado, abraçava o pai saído incólume, e explicava aos circunstantes o acontecido.
Aristeu, envergonhado, abraçava o pai saído incólume, e explicava aos circunstantes o acontecido.
Enquanto revirava pequena
farmácia familiar, procurando um calmante, deu uma olhadela ao relógio.
Uma e meia da manhã. Entre os
votos solenes e a ação intempestiva que praticara, havia somente o espaço de
quinze minutos…
Chico Xavier (médium) Hilário
Silva (espírito) Livro: Ideias e Ilustrações
REMÉDIO CONTRA TENTAÇÕES
Instado por um cristão novo de
Jerusalém, que se fazia portador de preciosos títulos sociais, desejoso de
ouvi-lo quanto a remédio eficaz contra as tentações, Simão Pedro, já velhinho,
explicou sem rebuços:
– Certo homem de Gaza, que amava
profundamente o Senhor e lhe observava, cauteloso, os mandamentos, após cumprir
todos os deveres para com a família direta, viu-se, na meia-idade, plenamente
liberto das obrigações mais imediatas e, porque suas aspirações mais altas
fossem as de integração definitiva com o Altíssimo Pai, consagrou-se à
contemplação dos mistérios divinos. Recolheu-se à oração e à meditação
exclusivas.
Extasiava-se diante das árvores e
das fontes, perante o lar e o céu, louvando o Criador em cânticos interiores de
reconhecimento. Tão maravilhosamente fiel se tornara ao Poder Celestial, que as
Forças Divinas permitiram ao Espírito das Trevas aproximar-se dele, qual
aconteceu, um dia, a Job, na segurança de sua casa em Hus.
O Rei do Mal acercou-se do crente
perfeito e passou a batalhar com ele, tentando enegrecer-lhe o coração.
Após longos dias de conflito
acerbo, o aspirante ao paraíso implorou ao Eterno, em soluços, lhe fornecesse
recurso com que esquivar-se à tentação. Suplicou auxílio com fervor intenso,
que o Misericordioso, através de um emissário, aconselhou-o a cultivar a terra.
O piedoso devoto atendeu à ordem,
rigorosamente. Adquiriu extensos lotes de chão, preparou sementeiras e
adubou-as; protegeu grelos tenros, dividiu as águas com inteligência; tomou a
colaboração de regular exército de servidores e, vindo o Perverso Dominador,
tão ocupada lhe encontrou a mente que foi obrigado a adiar a realização dos
escuros propósitos.
O aliado de Deus agiu com tanto
brilho que, em breve, a propriedade rural de que se fizera fiador converteu-se
em abençoado centro de riqueza geral, a produzir, mecanicamente, para a fartura
de todos.
Atendida a designação que
procedia do Alto, o mordomo voltou a repousar e o Malvado se lhe abeirou dos
passos, novamente.
Outro combate silencioso e o
devoto suplicou a intervenção do Altíssimo.
Manifestando-se, por intermédio
de devotado mensageiro, recomendou-lhe o Pai Bondoso fiar a lã dos rebanhos de
ovinos que lhe povoavam as pastagens, e o beneficiado do conselho celeste
observou fielmente a determinação.
Movimentou pessoal, selecionou
carneiros, adquiriu teares e agulhas, fez-se credor de larga indústria do fio
e, chegando o Maligno, notou-o tão ocupado que, sem guarida para provocações,
se refugiou à distância, aguardando oportunidade.
O esforço do missionário, em
poucos anos, imprimiu grande prosperidade ao serviço fabril, dispensando-o de
maiores preocupações.
Reparando-o livre, regressou o
Gênio Satânico e rearticulou-se a guerra íntima.
O aprendiz da fé recorreu à prece
e outra vez implorou medidas providenciais ao Doador das Bênçãos.
O Poderoso, exprimindo-se por um
anjo, induziu-o a moer grãos de trigo para benefício comum.
Voltou o favorecido ao trabalho e
construiu, utilizando o concurso de muita gente, valiosos moinhos, suando, à
frente de todos, na fabricação de farinhas alvas. Tornando o Dragão das Sombras
e percebendo-lhe tão grande preocupação na atividade salvadora, retirou-se de
novo, constrangido, espreitando ocasião mais oportuna.
Com o êxito amplo do servo leal,
novo descanso abriu-se para ele e Satanás retornou, furioso, à batalha pela
posse de sua vida.
O piedoso discípulo da salvação
refugiou-se na confiança em Deus e o Todo-Amantíssimo, por outro enviado,
aconselhou-o a erguer um pomar, em beneficio dos servidores que lhe seguiam a
experiência.
Retornou o crente ao serviço
ativo e tão entregue se achava às responsabilidades novas que o Perseguidor se
viu na contingência de retroceder, na expectativa de ensejo adequado.
A fidelidade conferiu ao
trabalhador operoso novas bênçãos de merecida prosperidade e o apaziguamento
lhe felicitou o caminho.
Quando se fixava o crente,
despreocupado e feliz, na beatitude, a fim de melhor agradecer as dádivas
divinas, eis que ressurge o Maldito, convocando-o a retomar o duelo oculto.
O devoto, entretanto,
compreendendo, por fim, as lições do Senhor, não se internou em novas
rogativas. Envolveu-se no serviço útil ao mundo e aos semelhantes, até o fim de
seus dias, quando partiu da Terra ostentando a coroa da eternidade.
O ouvinte sorriu, algo
apreensivo, e o velho Pedro, calejado no sofrimento e no sacrifício, terminou,
muito calmo:
– O único remédio seguro que
conheço contra as tentações é o mergulho do pensamento e das mãos no trabalho
que nos dignifique a vida para o Senhor.
E deu por finda a fraternal
entrevista.
Chico Xavier (médium) Irmão X
(espírito) Livro: Luz Acima
DEUS TE ABENÇOE
Logo após fundar o Lar “Anália
Franco”, na cidade de S. Manuel, no Estado de São Paulo, viu-se D. Clélia Rocha
em sérias dificuldades para mantê-lo.
Tentando angariar fundos de
socorro, a abnegada senhora conduzia crianças, aqui e ali, em singelas
atividades artísticas. Acordava almas. Comovia corações. E sustentava o
laborioso período inicial da obra.
Desembarcando, certa noite, em
pequena cidade, foi alvo de injusta manifestação antiespírita. Apupos.
Gritaria. Condenações.
D. Clélia, com o auxílio de
pessoas bondosas protege as crianças. Em meio à confusão, vê que um moço
robusto se aproxima e, marcando-lhe a cabeça, atira-lhe uma pedra.
O golpe é violento. O sangue
escorre. Mas a operosa servidora do bem procede como quem desconhece o agressor.
Medica-se depois.
Há espíritas devotados que
surgem. D. Clélia demora-se por mais de uma semana, orando e servindo.
Acabava de atender a um doente em
casa particular, quando entra uma senhora aflitíssima. É mãe. Tem o filho
acamado com meningite e pede-lhe auxílio espiritual.
D. Clélia não vacila. Corre ao
encontro do enfermo e, surpreendida, encontra nele o jovem que a ferira.
Febre alta. Inconsciência. A
missionária desdobra-se em desvelo. Passes. Vigílias. Orações. Enfermagem
carinhosa.
Ao fim de seis dias, o doente
está salvo. Reconhece-a envergonhado e, quando a sós, beija-lhe respeitosamente
as mãos e pergunta:
– A senhora me perdoa?
Ela, contudo, disse apenas, com
brandura:
– Deus te abençoe, meu filho.
Mas o exemplo não ficou sem
fruto, porque o moço recuperado fez-se valoroso militante da Doutrina Espírita
e, ainda hoje, onde se encontra é denodado batalhador do Evangelho.
Chico
Xavier e Waldo Vieira (médiuns) Hilário Silva (espírito) Livro: O Espírito da Verdade
SURPRESA
– Se alguém de outra vida pudesse
materializar-se aos meus olhos – dizia Germano Parreira, em plena sessão no
próprio lar -, decerto que a minha fé seria maior… Um ser de outro planeta que
me obrigasse a pensar… Tanta gente se reporta a visões dessa natureza!
Entretanto, semelhantes aparições não passam do cérebro doentio que as imagina.
Quero algo de evidente e palpável. Creio estarmos no tempo da elucidação
positiva.
Ouvindo-o, o Irmão Bernardo,
mentor espiritual da reunião, que senhoreava as energias mediúnicas, aventou,
sorridente:
– Você deseja, então, espetacular
manifestação de Cima… Alguém que caia das nuvens à feição de um paraquedista do espaço, em trajes fantasmagóricos, usando idioma
incompreensível… um itinerante de outras constelações, cuja inopinada presença
talvez ocasionasse enorme porção de mal, ao invés do bem que deveria trazer…
– Não, não é tanta a exigência –
aduziu Parreira, desapontado. – Bastaria um ser materializado na forma humana,
sem a descida visível do firmamento. Não será preciso que essa ou aquela
entidade se converta em bólide para acentuar-me a convicção. Poderia surgir em
nossa intimidade doméstica, sem qualquer passe de mágica, revelando-se no lar
fechado em que antes não existia, a mostrar-se igual a nós outros, sendo,
contudo, estranho ao nosso conhecimento…
– No entanto, sabe você que toda
concessão envolve deveres justos. Um Espírito, para materializar-se na Terra,
solicita meios e condições. Imaginemos que a iniciativa transformasse o hóspede
suspirado numa criatura doente e débil, requisitando cuidado, até que pudesse
exprimir-se com segurança. Incumbir-se-ia você de auxiliar o estrangeiro,
acalentando-o com tolerância e bondade, até que venha a revelar-se de todo?
Estaria disposto a sofrer-lhe as reclamações e as necessidades, até que se
externe, robusto e forte?
– Oh! Isso mesmo. Perfeitamente!…
– gritou Parreira, maravilhado. – Contemplar um Espírito assim, de modo
insofismável, sem que eu lhe explique a existência no mecanismo oculto,
consolidaria, sem dúvida, a riqueza de minha fé na imortalidade. Isso é tudo
quanto peço, tudo, tudo…
Bernardo sorriu, filosoficamente, e acrescentou:
Bernardo sorriu, filosoficamente, e acrescentou:
– Mas, Parreira, isso é
acontecimento de todo dia e tal manifestação é recente sob o teto que nos
acolhe. Ainda agora, na quinzena passada, você recebeu semelhante bênção,
asilando no próprio lar um viajante de outras esferas, com a obrigação de
ajudá-lo até que se enuncie sem vacilação de qualquer espécie… Esse gênio
bondoso e amigo corporificou-se quase em seus braços. Bateu-lhe à porta, que
você abriu generosamente. Entrou. Descansou. Permaneceu. E, ainda agora, ligado
a você, espera por seu carinho e devotamento, a fim de atender plenamente à
própria tarefa…
Como assim? Como assim? –
irrompeu Germano, incrédulo. – Nada vi, nada sei, não pode ser…
Mas o Benfeitor Espiritual,
controlando o médium, ergueu-se a passo firme e, demandando aposento próximo,
de lá regressou, trazendo leve fardo.
Ante a surpresa dos
circunstantes, Bernardo depositou-o com respeitosa ternura no regaço do amigo
que ainda argumentava.
Parreira desenovelou curiosamente
o pequenino volume e, entre aflito e espantado, encontrou, em plácido sono de
recém-nato, o corpo miúdo e quente do próprio filho…
Chico Xavier (médium) Irmão X
(espírito) Fonte: Livro: Luz no Lar
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